Monday, January 30, 2006

O grito


Solte-se
o grito
que dilacere a surdez
dos vivos-mortos
e outros olhos sejam a luz,
a cura
da cegueira que aflige
Estendam-se os braços
ao jeito do desabrochar
eleve-se o canto
que à boca traga o gosto
da palavra Liberdade.

Angela Santos

The scream by Edvard Munch

"The Scream (Skrik, 1893) is a seminal expressionist painting by Norwegian artist Edvard Munch. Regarded by many as his most important work, it is said by some to symbolize modern man taken by an attack of existential angst. The landscape in the background is Oslofjord, viewed from the hill of Ekeberg. The Norwegian word skrik is usually translated as "scream", but is cognate with the English shriek. Occasionally, the painting has been called The Cry."


Wednesday, January 25, 2006

Fragmentos...

Painting: Fragmentos by Cevallos

Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço –

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa

Painting: Fragmentos by César Núnes

Fragmentos são pedaços
de ideias no papel
são vivências, como traços
de cometas pelo céu
são os portos da memória
onde buscamos veleiros
de lembranças
e estórias
perdidas nos nevoeiros
são os teares de sonhos, de ilusões
pensamentos
como toda chama ou vida
seguindo o rumo dos ventos
feito nós, quando dormimos e sonhamos fragmentos.

Chico Fábio


Thursday, January 19, 2006

Nox

The Starry Night by Vincent Van Gogh

Noite, vão para ti meus pensamentos,
quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inúteis tantos ásperos tormentos...

Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia...
O eterno mal , que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece, alguns momentos...

Oh! antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o mundo, te esquecesses,

E ele, o mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!

Antero de Quental


"The Starry Night was completed near the mental asylum of Saint-Remy, 13 months before Van Gogh's death at the age of 37. Vincent's mental instability is legend. He attempted to take Paul Gauguin's life and later committed himself to several asylums in hopes of an unrealized cure.
Van Gogh painted furiously and The Starry Night vibrates with rockets of burning yellow while planets gyrate like cartwheels. The hills quake and heave, yet the cosmic gold fireworks that swirl against the blue sky are somehow restful."

Tuesday, January 17, 2006

Oceano Nox

Jeune Homme Nu Assis au Bor de la Mer By Hippolyte Flandrin

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o voo d um pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente.

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento.
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente ...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que ideia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
Antero de Quental

Friday, January 13, 2006

Photo:Woman Spirits Three by Lex Danilo

Longe vai o dia em que escrevias como quem respira.
Falta-te a juventude. A ansiedade fresca daquele tempo.
O sofrer-se até à última lágrima.
A angústia que se engasga.
Que se mostra. Que grita.
Mas porque falas saudosa desse tempo?
Na altura pedias com toda a veemência que parasse.
Não! Basta! Chega!
Agora lamentas a falta de vitalidade. A ausência da consciência que te fazia sentir viva. Em ferida.
E no que te tornaste? Endurecida, empedernida, incapaz, paralisada…
Já se esgotou em ti o último sopro. Aquele que mudava o mundo.
Fecharam-te, fechaste-te, não queres mais.
Agora já te lembras? Percebes porque não te descobres com a mesma facilidade?
É o reflexo (in)voluntário da tua alma …
A passagem de uma vida em chamas, para uma existência no gelo.
O tormento permanece.

Só isso não mudou em ti.

Thursday, January 05, 2006

Poet of Athena by John Parish

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Orfeu Rebelde by Mário de Sá-Carneiro



"In Greek legend, Orpheus was the chief representative of the arts of song and the lyre, and of great importance in the religious history of Greece. The mythical figure of Orpheus was borrowed by the Greeks from their Thracian neighbours; the Thracian "Orphic Mysteries", rituals of unknown content, were named after him."

Font: Wikipedia