Wednesday, June 29, 2005

Viagem

Falávamos sobre "viagens". Sobre a vida, sobre a tomada de decisões, de posições. De poesia ...

- o que interessa é partir e não chegar. Chegar ninguém sabe se chega, porque não depende unicamente de nós!
- o que interessa é tomar a iniciativa.
- exacto ... é isso ...
- tudo bem, não te disse que era por pouco tempo?
- o que é que isso quer dizer?
- a escolha do caminho está feita. O que interessa é partir não é?
- e qual é?
- não é por aqui nem agora o momento para te dizer. Dá tempo ao tempo.
(offline)

- o "partir" de que falas é desistir ... não era isso que queria dizer ...!

* The following message could not be delivered to all recipients:
o "partir" de que falas é desistir ... não era isso que queria dizer ...!
______


John William Waterhouse, "Miranda - The Tempest", 1916

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar…

(Só nos é concedida esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos.)

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura
O que importa é o partir, não o chegar.

Miguel Torga

Tuesday, June 28, 2005

A História Secreta do Sexo e do Amor



Assisti ontem a parte de um programa muito interessante, com a assinatura do Discovery, que versava sobre “A História Secreta do Sexo e do Amor” (“The Hidden History of Sex and Love”), e a forma como estes vêm sendo encarados ao longo dos tempos.

No início, a sexualidade era vista como uma coisa natural, necessária e indispensável à disseminação da espécie, logo encorajada. Os próprios Deuses não eram alheios a estas questões, muito pelo contrário, também tinham os seus amores e parceiros. O comum dos mortais, seguia obviamente o exemplo divino, sem que existisse grandes “desigualdades” entre eles. E em algumas culturas, como a grega, por exemplo, tão pouco era desconsiderada a sua prática entre pessoas do mesmo sexo.

Permanecem ainda alguns vestígios, espalhados pelo mundo, desta concepção: os símbolos fálicos que abundam pelas ruas da antiga cidade de Pompeia, e que hoje certamente fariam ruborizar uma sociedade mais "civilizada"; as ruínas da famigerada cidade de Coríntia, onde segundo várias fontes habitariam mais de 1000 prostitutas que faziam as delícias a quem lá passava. Na altura, o termo "homem de negócios" em Coríntia, significava basicamente, "chulo" :)

A alteração destes padrões de comportamento não aconteceu de um dia para o outro, mas um momento decisivo foi certamente o Cristianismo, e a intervenção do apóstolo São Paulo. Pela primeira vez, percebi o motivo de tanta carta escrita aos Coríntios! São Paulo não via com bons olhos a forma "desregrada" como as meninas de Coríntia encaravam a sua sexualidade, sendo a partir de um dado momento Coríntia sinónimo de Pecado, e o seu majestoso templo de Afrodite arrasado. Faço minhas as palavras do historiador e apresentador deste documentário, Terry Jones, quando a certa altura suspira um sarcástico « Obrigado(a) São Paulo!»

O sexo passou então a ser algo mau, um corpo nu deixou de ser considerado uma coisa natural, e passou a ser alvo de vergonha. Reza a história que tudo isto por causa de uma certa Eva e de um certo Adão que andavam como "Deus os pôs no mundo" muito contentes lá pelo paraíso, e que depois se “portaram mal”. O Castigo? A consciência de que o seu corpo desnudo era algo de impuro e sujo, e que deveria ser escondido. E não só, a ideia de que a mulher era a fonte do mal, um ser inferior a ser “refreado”.

É tudo uma questão de ponto de vista!

Too make a long story short: o sexo que antes era um factor de união entre os Deuses e os humanos, tornou-se, quase generalizadamente, um factor de divisão entre os mesmos.

Actualmente, o sexo continua uma coisa meio proibida, como convém. Sim, pois o fruto proibido é o mais apetecido, e alento de uma mega indústria sexual que se alimenta à custa da (in)satisfação dos seus clientes.

Monday, June 27, 2005

Pretérito Familiar...

“Vê a apresentação que fiz!”, enviaste-me o ficheiro PowerPoint automaticamente.
Após uma espera ansiosa, la chegaram os 66 Megas de doces loucuras, registadas para a posteridade.
Assisti radiante e demoradamente à passagem de cada slide…
“O que nós fomos!” - deixaste escapar – “Nessa altura …”
“Lá tas tu, com essas conversas pessimistas. Ainda somos!” – respondi com demasiado sangue, denunciando, sem querer, uma certa nostalgia.
“O que nós fomos…!”, repetiu …
“Tenta perceber, não podemos pensar que lá atrás é que foi bom! O nosso problema é esse … Vais ver, daqui a uns anos, vamos olhar para este ano, para este momento, para este segundo, e pensar a mesma coisa «Naquela altura...!» … Temos que nos concentrar no presente! No aqui, no agora!”
“Olha quem fala. Neste momento, aqui e agora, estás a ser racional, mas na prática nunca te lembras disso …!”


Photo by Geoffroy Demarquet

E envia-me um texto meu, não muito recente …

Amanhã, vou reler o que escrevi e esboçar um sorriso.
Amanhã, relembrarei com ternura e distância as palavras sentidas.
Amanhã, reconciliar-me-ei com as incertezas e o desespero.
Até lá, esperarei que o destino me sussurre à noitinha: Até amanhã!

Mas vejo o amanhã sentado à minha frente;
Sorrindo-me com uma expressão horizontal.
Cajado na mão direita, mão esquerda sobre a perna.
Sentado à espera de nada, (do amanhã talvez?!),
Qual estátua negra secular, imóvel, manchada pelas intempéries.
E a resposta sacode-me violenta:
Não existe esperança no amanhã, apenas no agora!
Olho à minha volta e tento captar tudo o que se passa, antes que se torne passado:
O voo circular de uma mosca sem nora,
As formas irregulares que se espalham pelas paredes!

Ai o amanhã, amanhã, és como a morte:
Nunca ninguém te viu!
Nunca ninguém voltou do amanhã…
Não! Amanhã, és pior do que a morte!
És a eterna tortura.
O paraíso que nunca chega!

Tuesday, June 21, 2005

Perplexidade



Hesito no caminho.
Ninguém segue este rumo...
É noutra direcção
Que o vento leva o fumo
Das paixões...
Chegar, sei que não chego,
De nenhuma maneira;
Mas queria ao menos ir no lírico sossego
De quem não se enganou na estrada verdadeira.

E não vou.
Cada vez mais sozinho
Na solidão,
Duvido da certeza dos meus passos.
Vejo a sede ancestral da multidão
Voltar costas às fontes que pressinto,
E fico na mortal indecisão
De afirmar ou negar o cego instinto
Que me serve de guia e de bordão.


Miguel Torga

Não consigo ...



Não consigo, não
Não te falar
Não consigo, não
Não te procurar
Não consigo, não
Não te esperar!
Diz-me então,
A razão
Para isto amigo?

Diz-me porque um não
Se solta imprevisto,
Ante a hipótese de sonhar contigo!?

Amigo,
Diz-me tu então
Que eu não consigo…

Thursday, June 16, 2005

Silêncio

- Amiga, tens um ar cansado. Conta-me lá, o que se passa? E não me venhas com teorias, estou preocupada contigo!

O “não me venhas com teorias” roubou-me um sorriso sentido.
- Não te preocupes, são fases. Tenho tido muito trabalho! – respondi sem convicção.

Vieste visitar-me sem que eu o esperasse. E caminhávamos junto ao muro sem destino aparente.

O tom da tua voz, habitualmente pausado e doce, tornara-se subitamente nervoso.

- Podes tentar enganar-te, mas eu conheço-te bem …

Tinha saudades das nossas conversas que invariavelmente terminam num sítio qualquer que desconhecemos, e por isso se perdem no silêncio. Sabe bem este silêncio solidário…

Romance ingénuo de duas linhas paralelas




Duas linhas paralelas
Muito paralelamente
Iam passando entre estrelas
Fazendo o que estava escrito:
Caminhando eternamente de infinito a infinito
Seguiam-se passo a passo
Exactas e sempre a par
Pois só num ponto do espaço
Que ninguém sabe onde é
Se podiam encontrar
Falar e tomar café.
Mas farta de andar sozinha
Uma delas certo dia
Voltou-se para a outra linha
Sorriu-lhe e disse-lhe assim:
"Deixa lá a geometria
E anda aqui para o pé de mim...!
Diz a outra: "Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar
Temos de ir devagarinho
Andando sempre a direito
Cada qual no seu caminho!"
Não se dando por achada
Fica na sua a primeira
E sorrindo amalandrada
Pela calada, sem um grito
Deita a mãozinha matreira
Puxa para si o infinito.
E com ele ali à frente
As duas a murmurar
Olharam-se docemente
E sem fazerem perguntas
Puseram-se a namorar
Seguiram as duas juntas.
Assim nestas poucas linhas
Fica uma estória banal
Com linhas e entrelinhas
E uma moral convergente:
O infinito afinal
Fica aqui ao pé da gente.


José Fanha

Pudesse eu ...




Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Pra poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes.

Sophia M.B. Andresen

Tanto de meu estado me acho incerto



Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio;
O mundo todo abarco e nada aperto.

?É tudo quanto sinto um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em terra, chego ao Céu voando;
numa hora acho mil anos, e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.

Luís Vaz de Camões